Pregão

 

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"Sôbre a origem do «pregão» há um facto que talvez se possa ligar com o mesmo, que é o da leitura dos estatutos da Irmandade feito anualmente à nova Meza no dia 5 de dezembro e juramento solene prestado na mesma data pelos mezarios eleitos; ou então a origem que lhe atribue João de Meira («Rev. de Guimarães-nºs 3 e 4 de 1905, pag. 161) de ser o bando uma especie de programa da festa declamado nas ruas e praças da vila por um dos academicos festeiros." Padre Gaspar Roriz





O Pregão ou bando escolástico dá-se a 5 de Dezembro e consiste na declamação de um texto satírico-retórico, afectado, da autoria de novos ou velhos nicolinos, recitado de modo entusiasta por um estudante-pregoeiro em vários pontos da cidade por onde se deslocam em cortejo os estudantes bramindo as baquetas e castigando os bombos e caixas, executando o toque do Pregão. O nome actual de Pregão de S.Nicolau tem justificação óbvia, enquanto que o antigo nome de bando escolástico se reporta ao grupo de académicos que se constituía para o efeito e o fazia ecoar.
Foi, quiçá, nos fins do séc. XVII que surgiram os primeiros Pregões Nicolinos, mas o primeiro deles documentado é o de 1817, tendo-se perdido os que lhe serão anteriores.
As suas origens radicarão por um lado, no costume medieval de publicitar mensagens de diverso teor que diziam respeito à comunidade, recorrendo a um pregoeiro a cavalo que, escoltado de peões munidos de trombetas ou tambores, se fazia anunciar, e por outro, nos "testamentos carnavalescos" de feição popular. É de referir, a propósito, a proliferação no início do século passado dos poemas herói-cómicos, que sob a forma de epopeia versavam assuntos banais ou ridículos e que eram do conhecimento dos estudantes vimaranenses que dominavam, também, a obra camoniana e os clássicos latinos como Virgílio ou Ovídio, devido à sua formação escolar.
Nos fins do século passado abria o préstito um estudante a cavalo, trajado a rigor, ostentando a bandeira da academia vimaranense. Acompanhava-o uma guarda de honra, também a cavalo ou a pé. A esta última e ao guarda-bandeira seguiam-se os zabumbas e o grosso dos estudantes fazendo-o mascarados antes deste costume ser abolido (hoje ainda o fazem de mascarilha). Seguia-se o carro do Pregão, puxado por uma ou duas parelhas de cavalos, com cocheiro e trintanário, de chapéu alto e sobrecasaca de cerimónia.
No carro, tomavam lugar, usualmente, quatro estudantes incluindo o pregoeiro. Este era escolhido entre aqueles que revelavam dotes de declamação e dicção condizente com o exigido bem como pose para a ocasião.
O Pregão era, então, recitado do alto do carro nos locais do costume: casas particulares, o Toural, a porta das escolas e praças e ruas de maior importância. Hoje também se declama frente à porta da Senhora Aninhas, madrinha dos estudantes.
Anos houve com mais que um Pregão e outros houve com lugar ao Pregão dos velhos.
"Pregões de S. Nicolau desde 1917" edição AAELG


                      
Poderá dizer-se que o Pregão de S. Nicolau é o número culto das Festas Nicolinas já que proporciona a declamação por um estudante - o Pregoeiro- de uma composição poética encomendada pela Academia a um autor por ela escolhido para que se esmere na sua feitura em termos de havido ser como o Pregão do Santo. Tanto lhe granjeou a estima popular e ainda hoje são disputados e colecionados por muitos vimaranenses os panfletos que a Academia edita dos seus Pregões. Ora, para serem assim estimados, os Pregões têm por conteúdo os faustos e os anseios do Povo, refletem as suas críticas e os seus aplausos, fazem o retrato satírico dos tempos. Em alguns, para mais, atingem-se altos níveis de poesia, de arte literária e crítica que se sobrepõe ao burlesco que deve também ser presente para que a peça resulte em pleno.
Antes do advento da telenovela poucas eram as distrações ao alcance do povo e assim não nos admiremos de muitos vimaranenses ainda saberem de cor algumas passagens de Pregões de S. Nicolau do seu tempo: de tantas vezes lidos e relidos ficavam na memória e eram nota de singular ilustração.
Por vezes era o Povo a recriar o Pregão de sua lavra em bem curiosos versos de que registo este exemplo:

“O Pregão de S. Coelho
Tem um rabo bem vermelho!
A carriça deu um grito
Na porta de S. Francisco...
Toda a gente se espantou
Só uma velha ficou
Embrulhada num farrapo
Pra dar à luz um macaco!”

E pena que estas peças se tenham perdido a partir do momento em que o "progresso" se instalou e destruiu os serões das famílias nas noites longas de Inverno e fez desistir os avós de, entre carinhosos abraços, contarem aos netos histórias mirabolantes como esta de "um pregão de S. Coelho"!
Ora dissemos que os Bandos Escolásticos faziam parte da cultura popular e não resistimos a relembrar alguns nomes de seus autores, mais chegados às nossas preferências:

1827- António Joaquim Gouveia de Almeida
1896- Bráulio Caldas
1904- João de Meira
1912- Delfim de Guimarães
1922- Torcato Mendes Simões
1925- Padre Gaspar Roriz
1945- Joaquim do Amaral Pereira da Silva
1950- José Maria Pinto de Almeida
1971 - A. Rocha e Costa
1983- Carlos Poças Falcão

A desejar o meu estimado leitor fazer a sua própria escolha, recomendamos o livro já editado pela AAELG - "Pregões de S. Nicolau desde 1817"- se tiver a felicidade de o adquirir: da sua leitura atenta virá a entender melhor a história de Guimarães.
Porque esta proclamação pública é feita por Estudantes, também ao Pregão de S. Nicolau se chama Bando Escolástico - seguido de um cortejo na cola do Carro do Pregoeiro, uma caleche até aos anos 60 e hoje um furgão mais prosaico, com suas caixas e bombos, agora num toque outro, também especial e de difícil execução- o toque a Pregão.
A palavra Bando nunca teve aqui o sentido de grupo mas sim o que lhe é próprio: o mesmo de pregão, pois "lançar o bando" quer dizer "anunciar publicamente, avisar": tínhamos em recuados tempos o Bando Real, o Bando Municipal ou o Bando da Correição, agora temos o Bando Escolástico só porque dimana dos Estudantes e não porque se apresentem em grupo, coisa que já vimos escrita.
Pára então o carro nos lugares marcados pela tradição e que todos conhecem, calam- se as caixas e os bombos, faz-se o silêncio da assistência e o Pregoeiro, com mais ou menos arte, mais ou menos voz, lá se desunha a declamar o texto trabalhosamente decorado, com maior ou menor teatralidade, recebendo da assistência o aplauso que merecer. E oito vezes o cortejo avança para novo ponto onde novo publico o espera, até noite ser e chegar a hora de o Pregão se recitar em privado na casa do seu Autor, agora anfitrião da Academia Vimaranense.

"E vós quem sois, fulanos nunca vistos
De quem agora assim vos pode ver
Se neste jogo nosso sois calistas
E vindes cá na mira de comer?
Melhor será que não volteis pró ano
Pois neste tive enorme trabalheira
E mesmo após o meu trabalho insano
Ainda vou pagar a trincadeira!.....

Deixemos aqui um apontamento que consideramos relevante.
Nesta função, para além do esforço pessoal que deverá fazer para decorar um texto extenso, o Pregoeiro dispõe da ajuda de um colega que, discretamente atrás de si, faz o "ponto", acompanha a marcha do discurso e induz uma ou outra estância esquecida para que não se perca o ritmo. O Pregão é assim, podemos dizê-lo, o número mais exigente das Nicolinas: por mais conseguido que seja o texto, por mais esforços que faça o autor para lhe dar forma, a peça não resultará se o Pregoeiro não lhe der vida própria.
É assim nosso entendimento, até porque o Pregoeiro não é obrigatoriamente, por tradição, um elemento da Comissão de Festas, que esse importante elemento deva ser recrutado, de entre os melhores alunos de Português de todas as Escolas, tendo em conta tanto o poder declamatório como a capacidade histriónica, tanto a capacidade de memorizar como o potencial de comunicação.
Diga-se também de passagem, e em abono dos Pregoeiros da atualidade, que são hoje adversas as condições em que a função se desenrola: aos ruídos de fundo de uma cidade como a de hoje não há voz que resista e se faça ouvida!
Nada nos repugnaria ver esta tradição apoiada no progresso eficaz de uma discreta amplificação: hoje nem a Igreja a recusa para que a Palavra chegue ao último que deva escutá-la!
Serão os Nicolinos mais tradicionalistas? Será a Tradição o avesso do Progresso? Ou, ao contrário, não deverá ser progressista a Tradição?
Ora, nos últimos anos, os Pregoeiros não conseguem responder às exigências da tarefa e somos levados a concluir que em termos de língua pátria vamos mal, já que alunos do 12ºano, na sua maioria, não sabem ler um texto em voz alta, não cumprem a pontuação nem apreendem o conteúdo de um texto. Assim sendo e apesar da muito boa vontade demonstrada pelos atuais continuadores da Festa, os Pregoeiros não atingem um nível declamatório capaz e, como tal, não conseguem transmitir plenamente as ironias e criticas contidas nos textos dos Pregões!
Esperança nos fique que mestres e pedagogos, programas e responsáveis, atentem na essencialidade da disciplina para uma boa aprendizagem de todas as outras...que numerosos exemplos nos chegam do passado de uma estreita e benéfica colaboração dos Mestres de antanho nestas Festas ímpares que, no seu conteúdo relevante, ultrapassam em muito as meras estúrdias académicas que por aí vemos no macaquear de tradições coimbrãs!
Ora são estas nossas tão de Guimarães e tão exclusivas, tão arreigadas no nosso meio, que bem merecem o apoio de Alunos e Mestres de todas as Escolas para que marquem no futuro, com toda a sua pujança, a valia do nosso Património Cultural.

Meireles Graça
Livro dos Pregões dos Velhos


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