Arquivo: O Traje Nicolino

O TRAJE ACADÉMICO EM GUIMARÃES (FESTAS NICOLINAS)  
 
Em Guimarães preserva-se o uso do Traje Académico Português pelos alunos do ensino secundário. Assim mantém esta cidade mais uma tradição que se perdeu em todos os outros pontos do país.
O traje dos alunos vimaranenses não é mais que aquele vulgarmente designado por capa e batina.
A Cidade-berço é dos poucos locais em que se mantém o uso desse traje pelos alunos do secundário, costume que foi já usual noutros Liceus/escolas secundárias, mas que entretanto se perdeu (*).

Desfaçam-se ideias feitas:
O traje é académico, não é só universitário!
O traje é nacional, não é só de Coimbra ou do Porto!
O traje académico é uno!

O costume do uso do traje é atestado pelo Ministérios da Instrução Pública, aos 12 de Novembro de 1924, no decreto n.º 10:290 que afirma no seu artigo 1º ser “permitido aos estudantes de ambos os sexos das Universidades, liceus e escolas superiores o uso da capa e batina, segundo o modelo tradicional, como traje de uso escolar”. O mesmo decreto avança ainda que “a todas as pessoas que indevidamente enverguem capa e batina são aplicadas as sanções estabelecidas pela legislação penal para o uso ilegítimo de uniformes, fardamentos e distintivos”.

Em Guimarães onde se realizam as Festas Nicolinas, as mais antigas festas académicas do país, o trajar assume, desde sempre, um significado especial. Nos dias que correm, o uso do traje no ensino secundário limita-se praticamente à Comissão de Festas Nicolinas, que procura respeitar o cânone, embora, como veremos, em situações específicas, haja variantes no seu uso.
No Cortejo do Pinheiro que congrega novos e velhos estudantes nicolinos vimaranenses, é usual ver-se antigos alunos envergarem a sua velha capa de veterano e a mitra na cabeça.

(*)O outro exemplo conhecido é o da Tuna do Liceu de Évora que enverga o traje nas suas atuações.

 

DESCRIÇÃO
 
Imagem nicolinas.pt

O traje académico é preto, constituído por uma batina de linhas direitas que, não sendo de modelo eclesiástico, é antes sim, uma verdadeira sobrecasaca, com bandas de cetim nas abas e pregas posteriores. Tem três botões à altura do tronco. Cada manga da batina terá três botões, junto ao punho.
O colete é preto, liso, não tendo abas e não sendo de cerimónia.
As calças são de corte e algibeiras direitas, com ou sem porta. O cinto é preto e simples.
Os sapatos, pretos, clássicos, sem adornos, com ou sem atacadores são acompanhados por meias lisas pretas.
A Capa é preta, usualmente com colchetes na gola.  A capa usa-se, normalmente, dobrada sobre o ombro esquerdo ou traçada (pelo lado esquerdo), sobre o braço ou pelos ombros.
O uso de adornos (pulseiras, brincos, piercings, anéis) não é bem visto no trajar.
  
VARIANTES EM CERTOS NÚMEROS DAS FESTAS NICOLINAS (ESPECIFICIDADES)


CERIMÓNIA
Este traje tem uma derivação, usada em ocasiões de gala. A camisa normal é substituída por uma camisa de colarinho em aba. A gravata é também substituída por um laço preto (ou branco, durante o Pregão, pelo Pregoeiro e pelo Ponto). Com este traje de gala não se costuma usar capa, e calçam-se, normalmente, luvas brancas.

TRAJE DE TRABALHO

Imagem nicolinas.pt

Em Guimarães, no âmbito das Festas Nicolinas, existe ainda um outro” traje” usual, conhecido por traje de trabalho. Existe para ser usado por todos aqueles que participam nos vários números das Festas, e ainda nas chamadas moinas (lanches, comes e bebes, oferecidos aos estudantes por ocasião dos ensaios de preparação das festas, por algumas das casas vimaranenses).  
Trata-se da adaptação do traje académico a situações específicas, resultando no despir da batina, colete e gravata, mantendo a calça e a camisa branca.
O traje de trabalho é composto por calça preta, sapato preto, camisa branca lisa, lenço tabaqueiro e mitra.
O lenço tabaqueiro é quadrado, vermelho. Também conhecido por “O Alcobaça” é um lenço   de algodão, de forma quadrangular. Habitualmente era usado pelos camponeses que tinham como cor preferida,  o vermelho. Entre 1815 e 1818, o Lenço “Tabaqueiro” tornou-se “moda” na Cidade. Era usado por pessoas que habitualmente mascavam ou cheiravam, “rapé” (Tabaco em Pó) limpava-se assim o pingo do nariz provocado pelo mesmo.
Usa-se ao colarinho, apertado à frente. É frequente vê-lo com uma pequena caixa de fósforos a prendê-lo.
A  mitra é um gorro ou barrete vermelho, com um friso verde na base. As suas origens são desconhecidas, havendo quem nele veja semelhanças com o barrete frígio.

RESENHA HISTÓRICA


 Estudante vimaranense - Nicolino – meados do séc. XX
Imagem nicolinas.pt
A palavra academia referia-se a um jardim perto de Atenas, mas passou a designar a corporação cultural fundada por Platão no séc. IV a.C., pois este filósofo havia comprado uma propriedade nas imediações e fazia desse jardim lugar de reunião com os seus discípulos. Cícero, posteriormente, atribuiu-lhe o significado de “escola de ensino superior”. Já no séc. XVI o termo começa a ser utilizado para designar uma sociedade de eruditos e homens de saber ou a escola superior a frequentar por todos aqueles alunos que revelassem na escola latina ou ginásio, as capacidades necessárias ao prosseguimento do estudo.
Não custa perceber que o termo “academia”, em Portugal, foi commumente usado, para denominar o conjunto de instituições, estudos e estudantes que frequentavam os Liceus, Universidades e Escolas superiores, aquilo que, hoje em dia, se designa por ensino médio e superior.
Relembremos o que se citou anteriormente a propósito de um decreto de 1924, que afirma ser “permitido aos estudantes de ambos os sexos das Universidades, liceus e escolas superiores o uso da capa e batina, segundo o modelo tradicional, como traje de uso escolar”.  
Cá está o conceito de “academia”!

Sabe-se que, para os estudantes portugueses, nos primórdios dos estudos superiores (reinado de D. Manuel I), não havia um traje obrigatório, mas havia severas restrições quanto às roupas a envergar pelos estudantes. Depois, o uso de capa e batina, de modelo eclesiástico, passou a ser obrigatório, até ao momento em que a universidade deixou de ser dirigida pelos jesuítas. O traje académico, evoluiu, desde o seu início, passando por diferentes modelos que, levando em conta a sua origem eclesiástica (e daí o nome de “batina”), se foram relacionando mais ou menos directamente com a época em que existiram. A derradeira versão é do último quarto de século XIX e é o modelo que todos também conhecem por “capa e batina”.

Vejamos referências ao traje escolar em Guimarães:

  in A.L. de Carvalho, O "S. Nicolau". Tradições Académicas de Guimarães,
 Liceu Martins Sarmento, 1943


O Compromisso da Irmandade de São Nicolau de 1691 define quem pode ser  irmão, estabelecendo a qualidade de estudante. Mais tarde, os estatutos chegam a distinguir entre coreiros e estudantes. O ensino, nesses primórdios, tem base eclesiástica, na órbita da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira. Os alunos trajariam, certamente, modelos de feição clerical.

Como se vê , é referido no livra supra-citado que o traje académico nos finais do séc. XVII em Guimarães incluía: “capa, batina, calção, sapato de fivela, gorra”

A 23 de Novembro de 1837,  39 estudantes de Guimarães aprovaram  os estatutos da "Associação Escolástica Vimaranense", onde se definia quem  poderia ter a condição de estudante:


O foro escolástico não era privilégio apenas dos estudantes no activo, mas sim de todos os homens solteiros que algum dia estudaram e que não estavam abrangidos pelas situações que implicavam a perda dessa condição, enunciadas no art.º 4.º do dos estatutos. Poderia haver, nas festas, estudantes “veteranos” e, até, alguns regressados de outras academias…

Há quem evoque a permeabilidade e influências nas festas nicolinas da parte de estudantes que frequentavam universidades e estudos superiores noutras cidades. Há, por exemplo, notícias de, no séc. XVII, existirem mais de quatrocentos portugueses em Salamanca, quiçá alguns naturais de Guimarães.
No séc. XIX alunos vimaranenses de Estudos superiores da Universidade de Coimbra e da Academia Politécnica do Porto terão trazido, porventura, daí algumas influências.
Contudo, parece-nos que a a relação que alguns estabelecem entre a origem das festas dos estudantes de Guimarães com as dos estudantes da Universidade de Coimbra não faz muito sentido. Partilhamos da opinião de Amaro das Neves que refere “[…] As festas de Guimarães são muito mais antigas do que as de Coimbra, que terão começado em meados do séc. XIX, e não se perfilam na linha das festas das velhas universidades europeias, mas sim nas tradições com que os meninos do coro das antigas catedrais celebravam o seu patrono, S. Nicolau”

A esse propósito apresentamos um extracto da obra de Léo Moulin, A Vida Quotidiana dos Estudantes na Idade Média, Lisboa: Livros do Brasil, 1994:


Recentrando-nos no assunto “traje”, sabemos que a sua evolução ao longo dos tempos no caso particular da Universidade de Coimbra está bem historiada e documentada. No que diz respeito a Guimarães, não há registos nem gravuras do que ele foi desde o séc. XVI a fins do séc. XIX, embora haja alusões indirectas. Há, no entanto, referências e representações do que eram os trajes estudantis, pelo menos até à altura do Jesuítas terem sido expulsos na época Pombalina, noutras cidades do país que permitirão uma aproximação.
O uso do Traje pelos estudantes vimaranenses foi-se, portanto, adequando às diferentes épocas, em consonância com o resto do país, traduzindo-se no sucessivo baixar do calção até se tornar calça direita e na progressiva transformação da batina eclesiástica numa sobrecasaca (também dita batina) de feição oitocentista.
O modelo do Traje académico cristalizou nos finais do séc. XIX. É esse o modelo actual (e que devia ser nacional sem excepção…) do traje académico português.

O foro escolástico não era privilégio apenas dos estudantes no activo, mas sim de todos os homens solteiros que algum dia estudaram e que não estavam abrangidos Recentrando-nos no assunto “traje”, sabemos que a sua evolução ao longo dos tempos no caso particular da Universidade de Coimbra está bem historiada e documentada. No que diz respeito a Guimarães, não há registos nem gravuras do que ele foi desde o séc. XVI a fins do séc. XIX, embora haja alusões indirectas. Há, no entanto, referências e representações do que eram os trajes estudantis, pelo menos até à altura do Jesuítas terem sido expulsos na época Pombalina, noutras cidades do país que permitirão uma aproximação.
O uso do Traje pelos estudantes vimaranenses foi-se, portanto, adequando às diferentes épocas, em consonância com o resto do país, traduzindo-se no sucessivo baixar do calção até se tornar calça direita e na progressiva transformação da batina eclesiástica numa sobrecasaca (também dita batina) de feição oitocentista.
O modelo do Traje académico cristalizou nos finais do séc. XIX. É esse o modelo actual (e que devia ser nacional sem excepção…) do traje académico português.

 
Representação de Jerónimo Sampaio declamando o Pregão em 1895, de traje académico e mascarilha in Publicação “Os Velhos”, Guimarães, 1920 
                    

Miguel Bastos, MMXI



HISTÓRIA DO TRAJE A PARTIR DO EXEMPLO COIMBRÃO

A Universidade estava intimamente ligada à Igreja, era efectivamente uma instituição eclesiástica, e uma grande parte dos estudantes e mestres eram clérigos. É pois natural que os universitários adoptassem uma maneira de vestir consentânea.
 
Traje- Coimbra séc. XVI

O vestuário dos estudantes de Coimbra nos séculos XVI e XVII caracterizava-se por:
"Loba ou Sotaina, decorada à frente, de alto a baixo, com uma fileira de pequenos botões, abotoada pelas costas com botões ou cordéis, a qual descia até à meia perna; uma Capa com gola e alamares ou cordão de borlas; um Barrete arredondado ou de cantos; Calção sem entretalhos ou golpes, meias e Botas ou Borzeguins. Os estudantes colegiais traziam os Hábitos das respectivas Ordens, salvo os dos Colégios seculares de S. Pedro e S. Paulo que tinham um Hábito semelhante aos escolares colegiais de Salamanca [...]. Este Trajo usado nas Faculdades também era extensivo aos Lentes, ressalvando-se apenas o pormenor de a Sotaina dos Mestres chegar ao calcanhar, enquanto a do estudante chegava à meia perna. Através dos Estatutos de 1653, dados por D. João IV, ficamos a saber que nesta época ainda se usavam barretes redondos ou de cantos para cobrir a cabeça e não o Gorro comprido, o qual se começou a trazer mais tarde, talvez nos começos do século XVIII. Estes Estatutos conferem ao estudante liberdade para trazer debaixo da Batina coletes e camisas, só mais tarde se tornando obrigatório o costume de envergar Volta Branca e Cabeção Negro [...]."
António Nunes, "Subsídio para o estudo genético-evolutivo do Hábito Talar na Universidade de Coimbra"
(in
Universidade(s) - História, Memória, Perspectivas, vol.3, Coimbra 1991

Desta forma, no seu início, o objectivo principal do Traje Académico, não seria, como muitas vezes se diz, igualizar os estudantes, mas antes fazer distinguir os académicos na sociedade. Apesar da falta de uniformização, os estudantes eram obrigados a usar um traje académico. De notar que essa obrigatoriedade era permanente, nas aulas ou fora delas, dentro do território académico da cidade de Coimbra.
A uniformização plena do traje académico aconteceu possivelmente na passagem do século XVII para o XVIII.
Nos finais do século XVIII o Traje Académico, seria assim composto:
"Todo o cidadão que se condecora com o título de homem de bem, para decentemente aparecer no meio dos outros, carece para seu adorno externo, [...] enquanto estudante, de Verão, de sete [cousas], vem a ser:- cabeção, volta, camisa, batina, meias, sapatos, e fivelas; e de Inverno, de nove, porque entram calções e colete, que de Verão são inteiramente desnecessários."
in Palito Métrico e correlativa Macarrónea Latino-Portuguesa,nova edição de harmonia com a quarta, de 1792, Coimbra: Coimbra Editora, 1942, pág. 384.


Traje - Coimbra séc. XVIII

As características medievais e clericais da Universidade de Coimbra começam a diminuir com a reforma do Marquês de Pombal, em 1772 È só com o triunfo do Liberalismo em 1834 que começa verdadeiramente a aparecer uma universidade laica.
A Capa e Batina não são abolidas, apesar do seu carácter clerical e de várias outras críticas. Mas passa a ser obrigatória apenas dentro da Universidade.
"No meu tempo, ainda a quase totalidade dos estudantes andava sempre de capa e batina. [...] Ainda assim, já por lá começavam a aparecer os janotas, a que nós chamávamos os polainudos, que em saindo da aula se vestiam à futrica e iam para a Baixa de luvas amarelas e charuto!" 
Trindade Coelho (estudante de 1880 a 1885) 

O Romantismo do século XIX cultiva a ideia do estudante boémio, cábula, poeta ou músico, namoradeiro... E a Capa e Batina é indissociável desse estudante romântico.
Nessa época e ainda hoje assim deve ser, a capa e batina não era um uniforme; era o símbolo da honra, da fraternidade e da mútua protecção. O espírito académico, a sua união nos grandes momentos de interesse comum, imperava sobre todo o organismo académico, convertendo toda a comunidade em uma só entidade. Agora sim, aparece a defesa do Traje Académico como factor de igualização dos estudantes. Possuindo ainda uma vantagem económica, sendo cómodo, o seu desgaste era sinónimo de respeitabilidade, era o emblema do veterano.
Em 1860 a Capa e Batina ainda mantinha um aspecto bastante clerical:
"O vestuário é capa e batina; capa até ao tornozelo, com gola militar; batina curta até ao joelho, dois dedos abaixo; calção, meia preta de laia, sapato e volta em vez de gravata, como o padre. No Inverno, no meu tempo, como se desenvolvia uma formidável epidemia de bexigas e tifo, era permitido andar de calça preta, caída, em vez de meia e calção.
Anda-se em cabelo, apesar de fazer parte do uniforme o gorro, saco preto que posto na cabeça cai pelas costas. Empregavam-no em carregar livros, frutas e outros místeres. Andar em cabelo e muito bem calçado era o grande luxo. A capa tem alamares para abotoar. Usa-se de muitas maneiras e bem traçada torna-se um traje muito elegante. Além de decorativa, é um magnífico cobertor”.
Mata-Carochas (1860-1865)

A partir de 1863 o Traje liberaliza-se bastante, nomeadamente no uso de calças em vez de calções.
"O gorro era já raro pelas costas abaixo, ou caído em cima da orelha. A maior parte andava em cabelo, alguns traziam um pequeno boné preto como os de viagem, e as batinas já não eram as antigas lobas, que chegavam ao meio das canelas, mas umas batininhas que só chegavam aos joelhos (mais um casac oafogado do que outra coisa) - e a respeito de meia preta e volta de padre, só nos actos, e a volta às vezes era de papel, e as meias de algum teólogo!”
Trindade Coelho (estudante de 1880 a 1885) 

 
Traje - Coimbra séc. XIX

Os estudantes, cada vez mais burgueses e atraídos por ideias republicanas e anti-clericais, não sentiam qualquer identificação com um hábito eclesiástico, e, através do desrespeito pelas normas de uso do Traje Académico, iam-no de facto modificando.

Os estudos superiores não se confinavam a Coimbra, havendo instituições de ensino desse cariz em Lisboa e Porro a partir de meados do séc. XIX que desembocariam na criação das Universidades nestas cidades em 1911.
No Porto envergava-se, também, o traje:
“Aí por volta de 1883, no Porto, reunia-se a mocidade académica do tempo no 2º. Andar do prédio nº. 137, da rua dos Caldeireiros, onde se forjava, a golpes de personalidade, um dos periódicos académicos da época que mais longa e próspera existência teve – «A Mocidade de Hoje».
(..) Pois foi neste quarto de estudante e, ao mesmo tempo, redacção de «A Mocidade de Hoje» que, passados anos, esta mesma geração de académicos se reuniu expressamente com o fim de substituir as usuais casacas por um uniforme académico «mais consentâneo com o espírito moderno». Nestas reuniões se decidiu, depois de apreciar vários modelos de uniformes desenhados por pintor de nomeada, optar pelo uso de capa e batina.
(..) Quem não recorda essa capa negra, terna e altiva, flutuando, a golpes de vento, pelas ruas, que ora se estende como romântica bandeira em revolteios até aos pés de lindas raparigas em homenagem cerimoniosa, ora acompanha o vibrar da garganta de algum sonhador académico na cadência melodiosa do fado, ora cobre, respeitosa, uma campa, em silencioso recolhimento?
Quem não terá respeito por esse formoso manto, confidente de anseios e desilusões dos corações juvenis, elo de ligação das gerações, símbolo de transmissão dos ideais?”
        Belmiro Antão, in “Orfeão” [Porto], Abril de 1958

Em 1898, "[A calça] nem sempre é preta. A gravata, umas vezes encarnada, outras branca e só por esquecimento é que ela é preta, como o regulamento ordena. A capa é usada com frequência dobrada e deitada sobre um dos ombros, trazendo-a muitas vezes na mão. E aqueles que querem usar bengala fazem-no, muito embora isso não deva ser permitido a quem se apresenta de capa e batina."
Aos usos da capa sobre um dos ombros ou na mão, António Nunes acrescenta "colocada no braço em jeito de gabardine [...] ou enrolada no colarinho, ‘para diferenciar os estudantes dos seminaristas e padres’".

É interessante notar que muitas décadas depois de o uso da capa enrolada no colarinho se ter generalizado se mantiveram duas situações de excepção, provavelmente ambas em sinal de respeito pelo sagrado: na missa (capa simplesmente pelas costas, sem dobras no colarinho) e em sinal de luto (com a batina fechada – possivelmente em imitação da antiga batina eclesiástica - e a capa não só sem dobras mas também apertada com os colchetes do colarinho – possivelmente reminiscência de quando a capa tinha cordões).

No final do séc. XIX é introduzida a Batina com bandas de cetim e pregas posteriores. Isto é, a total substituição da Batina propriamente dita por uma verdadeira sobrecasaca. A estabilização das cores da gravata, colete e calças no preto e a generalização de algumas destas variantes (como a Batina- sobrecasaca), que só se deram já na República, para se ver atingido o Traje Académico que se tem mantido praticamente inalterado nas últimas décadas.

"Grande parte da Academia continuou a envergar a Capa e Batina, isto por duas razões fundamentais: por ser considerado económico; por estar profundamente enraizada na cultura da Sociedade Académica. Ou seja, a partir de 1911, o Trajo Talar deixou de ser um simples uniforme para significar valor cultural, património da Comunidade Académica, sublimado pelo espírito de Coimbra”.
António Nunes, "Subsídio para o estudo genético -evolutivo do Hábito Talar na Universidade de Coimbra" (in Universidade(s) - História, Memória, Perspectivas, vol.3, Coimbra 1991

Nos últimos tempos da Monarquia falava-se insistentemente da abolição da obrigatoriedade do Traje Académico, visto como anacrónico, e até mesmo da sua proibição, devido às maneiras aberrantes como era usado. A 23 de Outubro de 1910 o Governo Provisório da República acaba com a obrigatoriedade do uso da Capa e Batina, mas não a proíbe.

 
Estudante portuense (Modesto Osório, condíscipulo de Emídio Guerreiro), 1926, in “Porto Académico”

Fontes:
http://www.geocities.com/portoacademico/Historia/Traje/TrajeCoimbra.html
http://portoacademico.blogspot.com/2010/06/o-traje-academico-em-coimbra-i-o-antigo.html
Revista “Orfeão” (Orfeão Universitário do Porto)
Palito Métrico e correlativa Macarrónea Latino-Portuguesa, nova edição de harmonia com a quarta, de 1792, Coimbra: Coimbra Editora, 1942
In illo tempore, Trindade Coelho, Publicações Europa-América

 
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