Arquivo: Pregão de 1906
 
   
     
       
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        Festas Nicolinas em Guimarães: Pregão Escolástico [Impresso] /Padre Gaspar Roriz. Guimarães: [CFN], 1906 (imp Typ. Pires). [1] f.; 52x30 cm. Impresso s/ papel branco a preto e azul .- Com dedicatória no verso, de Domingos Gonçalves ao Pe Mesquita.
  Recitado por António da Fonseca e Castro |  
      
 
     
  
 
  
 
 
Em 1906, o programa das festas foi publicado pelo jornal Independente. O dia 5 era anunciado assim:
 
"E vós oh belas! Que estais às janelas! Preparai-vos para ouvirdes o pregão recitado por o nosso companheiro António Fonseca e Castro e primorosamente escrito pelo sr. padre Gaspar Roriz, o imortal cantor da florescente Sociedade Anti-fumista de Guimarães. 
 
O pregão que tem muita piada será distintamente impresso na tipografia do Albano que nos fornece cigarros e geribita todo o ano." 
 
 
 
Pela leitura do texto de Gaspar Roriz, percebe-se que então se discutia quais as festas a que assentaria mais justamente o título de “festas da cidade”: se as velhas nicolinas, se as Gualterianas que, naquele ano, deram novo brilho à Feira Anual de S. Gualter, há muito em declínio. O autor do pregão, que virá ser uma das principais figuras do ressurgimento das festas a S. Gualter, tendo “inventado” a Marcha Gualteriana, toma partido pelas festas dos estudantes de Guimarães.
 
Nas Festas Nicolinas de 1906, o Padre Gaspar Roriz, além de escrever o pregão, escreveu também os textos da Danças.
 
 
 
 
 
FESTAS NICOLINAS EM GUIMARÃES
 
Pregão escolástico 
 
Recitado em 5 de Dezembro de 1906
 
PELO ESTUDANTE
 
António da Fonseca e Castro
 
 
 
Autor
 
Padre Gaspar Roriz
 
 
 
 
 
Em carro de oiro e rosa a Deusa da ciêneia,
 
Minerva a quem adora a nossa mocidade,
 
Baixou um dia aqui da célica eminência
 
Trazendo no fulgor da sua divindade
 
Um sol bem mais brilhante, um sol bem mais fecundo,
 
Do que esse a que chamais, ó filhos da Poesia,
 
Apolo, Astro-Rei, e que ilumina o mundo
 
Com essa chuva de oiro em que se banha o dia.
 
 
 
*
 
A Diva percorreu as grandes capitais: 
 
Viu Roma, viu Veneza e a Lísbia com seu Tejo;
 
Viu Ronfe, oPevidém, a Pisca e os Pombais...
 
Ao ver Guimarães disse:
 
 Eis a terra que almejo!
 
Palácio encantado, em sonhos de ventura
 
Eu vi teu céu de anil e alfombras verdejantes!
 
Tu és a terra amadat, a terra linda e pura,
 
Onde mais brilho têm as festas de estudantes
 
Aqui ficará, pois, da minha divindade
 
O brilho intenso e bom, o célico fulgor,
 
Que dá luz e calor à vossa mocidade,
 
À inteligência luz, ao coração amor!...
 
Depois a Deusa linda em carro de oiro e rosa
 
Subiu... subiu... subiu à olímpica mansão...
 
Mas já não ia toda a Deusa generosa:
 
Deixou a Guimarães o terno coração.
 
 
 
*
 
Bem sabemos, ó Porto, hás-de ficar zangado 
 
Ao ver quanto é diverso o nosso ao teu destino...
 
Tu Uns um coração, mas é dum rei… soldado;
 
O nosso é bem melhor — é coração mais fino...
 
Que inspira o teu, que inspira? Um carnaval brilhante,
 
Pois Fenianos tens e tens os Girondinos...
 
Mas este inspira mais: inspira o estudante
 
Brioso a promover festejos nicolinos.
 
E podes procurar, ó Porto, em todo o mundo,
 
Onde reina o prazer, onde impera a alegria:
 
Oh não encontras, não, um dia mais jucundo
 
Do que de Nicolau o grande e fausto dia!
 
 
 
*
 
Mas fique o Porto em pas, em paz os Fenianos... 
 
Eu quero perguntar aqui, à puridade,
 
Aos patriotas bons, aos bons Gualterianos,
 
Que vale junto à nossa Festa da Cidade?...
 
A Festa da Cidade?! A Briosa protesta!
 
Oh ! dêem-lhe outro nome... outro nome qualquer...
 
A festa da cidade é esta, sim, só esta!
 
Pode ser Nicolau vencido por Gualtér?
 
Oh! não!... Minerva disse aos filhos seus dilectos:
 
“Os arcos da Avenida e as iluminações
 
Não podem comparar-se aos juvenis afectos
 
Que tendes, filhos meus, em vossos corações”
 
A Deusa disse bem.
 
                                       Esse arco-monumento
 
Que fez Abel Cardoso em estilo arabesco
 
Não fica a valer nada e perde o merecimento,
 
Se formos compará-lo ao mastro gigantesco
 
Que se levanta aí com rama verdejante
 
Mais alto, muito mais, que a Torre de Babel,
 
Dizendo ao mundo inteiro: “O génio da estudante
 
Vai muito mais lém que a inspiração do Abel.”
 
E as iluminações por mais lindas que sejam,
 
As grisetas de outrora ou arcos a brilhar,
 
Podem nada dizer, mas certamente invejam
 
O brilho intenso e bom do nosso terno olhar.
 
Ó música de Múrcia ! Ó bandas marciais!
 
Doirados cornetins, rouxinóisda metal!
 
Da oossa zabumbada que desdenhais,
 
Pois lhe chamais até a música infernal...
 
Donzelas, dizei vóss, se outra composição
 
De Rossini, Gouinod — qualquer compositor —
 
Vos faz estremecer de amor o coração
 
Como os sons do zabumba os rufos do tambor...?
 
 
 
*
 
A Festa da Cidade é, pois, a nossa festa 
 
De todas a mais bela, antiga e popular,
 
Há nel as vibrações da zabumbal orquestra
 
E o eléctrico fulgor dos raios do luar...
 
Ó patriotas bons, ò bons Guaterianos,
 
Em todo o caso vós mereceis os parabéns!
 
Com vossa iniciativa, esforços sobre-humanos,
 
Pudeste» levantar a velha Guimarães.
 
João de Melo escuta: em mim há muita inveja
 
Por não seres de Minerva um filho assim como eu...
 
Um homem como tu é pena que não sej
 
Ao menos... professor interino do liceu...
 
Se o fosses, oh! por certo a festa era maior,
 
Assombraria a Terra, o Céu e o Mar profundo!...
 
Havias de ensinar, se fosses professor,
 
Que a festa a Nicolau a Festa era do Mundo.
 
Havias de ensinar à multidão discente
 
Com todo o teu saber, com toda a tua ciência,
 
Como se multiplica assim — honrademente,
 
E como se divide assim — com benemerência.
 
 
 
*
 
Caixeiros atendei: não há rivalidade 
 
Que possa separar os nossos corações.
 
Caixeiros, como a nossa é a vossa mocidade:
 
Deixai-nos tambem ir dar vivas aos patrões...
 
O chafariz doutrora, o tanque do Toural,
 
Que a vossos pais vedou a festa da Briosa,
 
Cedeu o seu lugar a essa fonte ideal
 
Chamada do Progresso a fonte luminosa.
 
Debalde no jardim o vosso olhar procura
 
A fonte em que vos falo, ó mocidade em flor!
 
A água que esta tem é o pranto da Ventura,
 
O Coração é o foco, a luz intensa o Amor.
 
Banhemos nessa fonte a nossa mocidade...
 
Na festa a Nicolau, amigos, não entrais:
 
Mas num abraço bom de confraternidade
 
Lutemos em comum por nobres ideais.
 
Há um cuja diferença, amigos, não distingo;
 
Os nossos corações sentem de igual maneira:
 
Por que é que vós lutais? Descanso do domingo;
 
Que reclamamos nós?— Feriado à quinta-feira...
 
 
 
*
 
Senhoras, perdoai estas divagações... 
 
A festa ó para vós, filhas de Guimarães!
 
De amor palpitam hoje os vossos corações.
 
Assim aconteceu a vossas santas mães.
 
De Nicolau no dia, alegres, delirantes,
 
Quando seguia Apolo a esitrada da manhã,
 
As vossas santas mães das mãos dos estudantes
 
Vinham arrecadar a posse da maçã.
 
Os anos têm passado...e a nova geração
 
Seguindo o uso antigo, a posse secular,
 
Em troca da maçã — o pomo lindo e bom —
 
Um raio vem pedir do vosso terno olhar.
 
Que não o há mais doce, oh! não, nem mais jucundo
 
Os vossos olhos dão realce à formosura!
 
São astros a brilhar, iluminando o mundo;
 
São espelhos a mostrar quanto, vossa alma é pura!
 
Não há nação que exceda, ó Patria Portuguesa,
 
A formosura ideal das filhas que tu tens!
 
Ó loiras de Albion! Caucásica beleza!
 
Vencidas sereis sempre aqui, em Guimarães!...
 
A posse é, pois, para vós, donzelas, damas nobres.
 
Mas, porque nos aquece o bom sol da igualdade,
 
Tambem, filhas do povo, ó raparigas pobres,
 
Podeis-vos juntar hoje às damas da Cidade.
 
A todas a Briosa em festa ao grande dia
 
Que traz a Guimarães fulgores do Paraíso
 
Dará a posse antiga em estos de alegria
 
Pedindo-vos em troca, ó belas, um sorriso.
 
 
 
*
 
Quem anda por aí?!... Silêncio sepulcral! 
 
O mundo adormeceu ouvindo o meu pregão...
 
Levante-se um estrondo imenso, colossal,
 
Que possa semelhar ribombos de trovão,
 
Ó Mocidade! Ó Vida! acorda, acorda a Morte!
 
Ordeno que a baqueta em, vossas mãos se agite,
 
Tirando do zabumba estrondo rijo e forte,
 
Mais forte que um canhão que tenha Himalayite!
 
A tiros de zabumba, a rufos de tambor,
 
Abale-se hoje a Terra, o Céu e o Mar profundo!
 
Avante, sócios meus, ó Mocidade em flor:
 
Anunciai a festa a Guimarães e ao mundo!...
 
 
 
 
  Transcrição e comentários de António Amaro das Neves 
  
 
  Publicado originalmente em http://araduca.blogspot.pt/ 
  
 
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