Arquivo: Pregão de 1908
 
   
     
       
          |  
        Bando Escolástico [Impresso] / Delfim Guimarães.Guimarães: [CFN], 1908 (imp Typ. Minerva Vimaranense). [1] f.; 45x27 cm.Impresso s/ papel branco a azul.
   Recitado por António d’ Araújo Carvalho Júnior |  
      
 
     
  
 
  
 
 
O pregão de 1908 voltou a ser escrito por Delfim Guimarães. O pregoeiro foi António de Araújo Carvalho Júnior. Para além das referências a assuntos que estavam na ordem do dia, como um polígono que acabava a ser feito na praça que então se chamava de D. Afonso Henriques ou os passeios de automóvel, este pregão carrega um pouco mais do que era usual na brejeirice e na malícia: 
 
                   Ó Evas tentadoras:
 
Deixai que a nossa boca, em ânsias pecadoras,
 
Oscule essas maçãs tão rubras, sazonadas,
 
Que o vosso rosto tem, ó Evas desejadas,
 
Mesmo a dizer papai-nos, filhos, sem remorso
 
Que não vos fica, não, na garganta o caroço…
 
 
 
BANDO ESCOLÁSTICO 
 
Recitado pelo académico
 
António de Araújo Carvalho Júnior
 
em
 
5 de Dezembro de 1908
 
 
 
Minerva erguendo a dextra altiva, triunfante.
 
Envolta em nuvens de oiro, de amplidão dos Céus,
 
Bradou a todos nós:
 
                                             — “Ó mocidade, avante,
 
                      “Deslumbra os risos teus!
 
“Retroceder jamais, ó mocidade em flor,
 
“Tu tens dentro desta alma o mais sagrado amor
 
“Para alegre te ajudar nas Fastas Nicolinas,
 
“Cobrindo-te de flores as capas e as batinas!
 
“Ó loira mocidade, ó bando estudioso,
 
“Que nunca morra em ti o canto harmonioso
 
                          “Que Nicolau adora!
 
“Que a tua Festa seja um sorriso de aurora,
 
                          “Em luz e esplendor!!...
 
“Avante, ó mocidade, ó mocidade em flor!” —
 
Disse… Depois num beijo infindo de saudade
 
Que fulgido tombou nos nossos corações,
 
A Deusa se sorriu na vasta imensidade
 
                      A irradiar clarões!
 
Olhos fitos no Céu, as lágrimas a flux,
 
Vimos subir Minerva aos braços de Jesus,
 
Sentindo dentro da alma força misteriosa
 
Da nossa Festa ser a festa mais formosa...
 
 
 
Festas de Nicolau! quem há que vos iguale
 
Se sois o coração de todo Portugal?!
 
Quem sois, ó imbencibles e vós, ó Fenianos?...
 
Girondinos, quem sois? quem sois Gualterianos?...
 
Tremei da nossa Festa leda, sobranceira.
 
Que grita no tambor, que clama no Zé-Pereira,
 
Tremei, ó vós, treinei da estóica reinação
 
Que devora água-de-unto além, na Conceição…
 
Nem carros triunfais ornados de oiro e rosa,
 
Nem mesmo a imorredoira fonte-luminosa
 
Que deslumbrou um cego e fez rir um defunto
 
Chegam à nossa Festa em bombo e água-de-unto…
 
Mas se acaso a quereis na ânsia culminante,
 
Na apoteose, louca, e ingente, e deslumbrante,
 
Que nos deixem descer aos antros da Folia,
 
Que nos deixem tirar as peias da opressão:
 
Vasconcelos, Ribeiro, Sanches, Zé Maria,
 
Moreira, Freitas, Pina, Gilberto e Aarão...
 
 
 
Olé!... quem anda aí de socos, a mexer ?!...
 
— Ó João, da cá a moca… Então não querem ver
 
Um bravo milanês com fumos petulantes
 
A querer meter nariz na Festa dos estudantes?!...
 
Menino, toca a andar, que a coisa vista a seco
 
Não fica em pano-cru do Santos Parrameco…
 
Meus ricos caixeirinhos, isto é para quem quer…
 
A nossa discordância, filhos, podeis crer,
 
Só findará no dia — ó discordante mágoa —
 
No dia em que os tanques deixem de ter água…
 
Entretanto, meninos, quem vence é a verdade
 
                     Despida de louvores:
 
Vós sois a eterna luz das Festas da Cidade,
 
                     Seus hélicos fulgores!!
 
Vá lá, vá lá um abraço cheio de desvelo
 
E um beijo ao avozinho, ao nobre João de Melo…
 
 
 
Os frescas tricaninhas, flores de todo o ano,
 
Onde é que se perdeu o vosso olhar magano
 
Para assim andardes tristes, a verter paixões,
 
Tratando o nosso amor com feros beliscões?!...
 
A gente cansadinha de vos ensinar
 
Os tempos quase todos desse verbo amar
 
Que vós com tanta graça — ó graça impenitente —
 
Já sabeis declinar no místico presente...
 
            Alto… Lá está o apito ingrato da Avenida
 
A chamar-vos à luta, a chamar-vos à vida,
 
Onde ides espalhar com o trabalho a amargura
 
                          Num cansado desejo…
 
                          Correi, dai cá um beijo,
 
Ó filhas estais a ver que é mesma umo loucura...
 
 
 
Grisettes do amor? ó lindas moreninhas,
 
Que sois um dia inteiro a pespontar cetins,
 
Cantando alegremente como as avezinhas
 
Sorrindo docemente como os serafins;
 
                   Ó Evas tentadoras:
 
Deixai que a nossa boca, em ânsias pecadoras,
 
Oscule essas maçãs tão rubras, sazonadas,
 
Que o vosso rosto tem, ó Evas desejadas,
 
Mesmo a dizer papai-nos, filhos, sem remorso
 
Que não vos fica, não, na garganta o caroço…
 
Vamos, não vale zangar, seus melindrosos seres…
 
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 
 
                               Ó Rosinha, ai! ai! ai!
 
Lá estás tu a fitar a espada do alferes…
 
Mau… mau… se continuas digo-o a teu pai...
 
 
 
Vai-se acabar, enfim, o octógono zarolha!!
 
No centro é erigida a estátua da Bolha!!!...
 
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 
 
 
 
Guimarães, alta noite, ergueu-se do seu leito,
 
Vestiu-se de chaufeur, pôs uma rosa ao peito,
 
Correu para a garage, saiu em oito-e-nove,
 
Carregou no pó-pó com graça que comove.
 
Deu uma volta ao Jardim e foi com alegria
 
Paio Galvão em recta até Santa Luzia...
 
Tomou um pouco de ar, e passado um momento
 
Eis que pôs outra vez o carro em movimento
 
Meteu pelo Picoto, chegou ao Hospital,
 
Cortou para o Quartel e cansado afinal
 
Subiu ao seu casteIo, ao seu velho alcaçar
 
Que mais de sete séculos foi por consertar…
 
Encostado a uma ameia, olhou com atenção
 
A sua espectrea sombra envolta em escuridão
 
Daí viu a batalha, esso lutar comum,
 
Na Região dos três contra os Heróis do um...
 
Que apesar de comum, a crássica irrisão
 
Arrotou urna em fora a grande sensação!!!...
 
Viu o pobre do Afonso, ainda de cadeira,
 
Apreçar uns fejões a uma regateira
 
Procurou o Toural e viu com frenesim
 
Sorrir arcos voltaicos aos mil pelo jardim...
 
Nervoso contemplou o seu grupo de Talma
 
Que escarneceu o Júlio, insofrido, sem alma,
 
Gritando-lhe invectivas e outras coisas mais,
 
Matando-lhe a Severa e os grandes Cardeais...
 
Viu inda em letras de oiro o bando assinalado
 
Que um estro-Madurino fez ano passado...
 
Viu a sportman-paixão a escancarar gavetas
 
E o Cristóvão a rir com as velhas bicicletas...
 
Fitou a sua imprensa e viu no meio dela
 
Uns típicos bebés a dar à taramela...
 
De repente sentiu tocarem-lhe no ombro,
 
Virou-se dum só pulo, trémulo de assombro,
 
E viu na sua frente a conclusão precisa:
 
D. Progresso a chorar, em fraldas de camisa…
 
 
 
                 Damas de Guimarães:
 
Quiséramos de rosas, Iírios e cecéns
 
Tecer uma grinalda para vos ofertar
 
Cingida com amor e fitas de luar!
 
                Ó líricas senhoras:
 
Deixai que as nossas almas ternas, sonhadoras,
 
Caiam aos vossos pés a soluçar paixões,
 
Contando-vos a dor dos nossos corações!
 
 
 
Santas de Guimarães, escutai a nossa alma
 
Que vos segreda a dor dos corações sem calma
 
 
 
                          Mais triste que a saudade
 
Anda toda de crepe a nossa mocidade,
 
Vivendo a lamentar-se como um rouxinol
 
Que chora desde a aurora até ao pôr-do-sol,
 
                          E não tem, ai! não tem
 
Um beijo de ternura que lhe faça bem!...
 
 
 
Santas de Guimarães, ai! tende piedade
 
Dos nossos corações, da nossa mocidade…
 
 
 
                        Ó loiras Julietas:
 
Por vossas mãos bordai as nossas capas pretas,
 
Fazei delas um manto de astros num sorriso
 
Mais belo que o manto azul do Paraíso!!
 
 
 
Santas de Guimarães, fazei um manto lindo
 
Das nossas capas pretas num sorriso infindo...
 
 
 
                    Ó filhas do luar:
 
                    Fazei das nossas dores,
 
                    As mais ridentes flores,
 
                    O mais formoso altar!
 
 
 
 
 
Às armas, lutadores heróicos do Porvir!!...
 
Que o mundo caia todo para trás a rir
 
Ao: travar-se a peleja infrene, alucinante,
 
Do silêncio querer vergar um Estudante!!...
 
Ó bravos batalhões, da História assinalados,
 
Heróis que atravessaste mares já navegados
 
Chegando até à Pisca, salvos, triunfais
 
— Força que força humana permitiu jamais —
 
Alevantai bem alto a fama Intemerata,
 
Fazendo reviver o Rei da Bambochata!!...
 
Avante lutadores, às armas batalhões!!...
 
                        — Força nesses tambores,
 
                        Fogo nesses canhões!!!...
 
 
 
 
 
Guimarães em 1908 
 
Delfim Guimarães 
 
 
 
 
  Transcrição e comentários de António Amaro das Neves 
  
 
  Publicado originalmente em http://araduca.blogspot.pt/ 
  
 
  Um blogue de 
  
 
  António Amaro das Neves 
  
 
  Guimarães:Minho:Portugal 
  
 
  araduca@gmail.com 
  
 
  (c) Todos os direitos reservados | 2007-2013