Arquivo: Pregão de 1920
 
   
     
       
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        Pregão Académico[Impresso]/Jerónimo de Almeida.-Guimarães: [CFN], 1920 (imp. Pap. e Tip. Minerva Vimaranense).-[1] p.: il.;41x27 cm. Impresso s/ papel branco a verde.-2 exemplares.-Com fotografia de Jerónimo Sampaio e Braulio Caldas.
  Recitado por Bento Costa Caldas |  
      
 
     
  
 
  
Em 1920 celebraram-se os 25 anos do ressurgimento das festas dos estudantes de Guimarães a S. Nicolau. O pregão deste ano foi dedicado, num soneto que o antecede, “aos entusiastas de 1895”. Saiu, uma vez mais, da pena de Jerónimo de Almeida. O pregoeiro foi o “estudante do 7.º no de letras” Bento da Costa Caldas. 
 
 
 
PREGÃO ACADÉMICO 
 
Recitado em 5 de Dezembro de 1920 
 
POR 
 
Bento da Costa Caldas 
 
Estudante do 7.° ano do letras 
 
Aos entusiastas de 1895 
 
 
 
Às vezes une a sorte as criaturas
 
Para delas tirar maior proveito,
 
E diz a cada uma: “Quem procuras
 
Ai tens, vive agora satisfeito.”
 
 
 
E logo se desfazem as agruras
 
Que lhes roíam lentamente o peito,
 
Sentindo depois disso só venturas,
 
A que tinham legítimo direito.
 
 
 
Assim estas ligou, em certo dia.
 
Cedendo a uma a chama da Poesia
 
E a outra o entusiasmo que ainda resta…
 
 
 
Duas vidas, de cuja mocidade,
 
Guimarães se recorda com saudade
 
E foram toda a alma desta festa!...
 
 
 
 
 
Faz hoje, exactamente, vinte e cinco anos
 
Que um bando de rapazes joviais, insanos,
 
Fitando, piamente, os olhos lá no céu,
 
Disseram entre si: “Nicolau não morreu!...
 
Ah com que saudade nos lembramos ainda
 
Da sua antiga festa tão formosa e linda!
 
Quanta vez, quanta vez, no seu celeste empíreo.
 
Não sentiria ele o peito num delírio
 
Ouvindo, cá em baixo, os rufos dos tambores!
 
Não possuímos nós os juvenis ardores
 
Que a louca mocidade dentro em si contém,
 
Para que a Nicolau festejemos também?...”
 
Assim falaram... E, ligeiros como um raio,
 
Logo o saudoso Bráulio e o adorado Sampaio
 
Desceram, num rompante, às entranhas da tumba,
 
Ressuscitando a festa a togues de zabumba.
 
Há dez anos que a pobre estava, sem alento!...
 
Arquivada, entre o pó dos fólios da SARMENTO!
 
De novo o velho ardor hoje, em nós, se retrata
 
Para comemorar tuas bodas de prata.
 
Estudantes de outrora, oh velhos! um abraço!
 
Vinde daí também, dai-nos o vosso braço.
 
Agarrai num tambor, pegai numa baqueta,
 
E que apareça alguém que connosco se meta!...
 
Não choreis; eu bem sei que isto vos causa pena
 
Lembrar-vos, outra vez, as idas à novena
 
Antes do sol nascer... Não me faltava assunto:
 
Ali, na Conceição, o belo caldo de unto;
 
As posses que duravam uma noite inteira;
 
Doces e vinho fino... Ah quanta bebedeira!...
 
Andava toda a gente aí numa balbúrdia
 
Enquanto não findasse essa medonha estúrdia!
 
Chegavam a partir-se os braços mais as pernas,
 
Cos efeitos de tantas revoluções internas,
 
Até que, comprimindo o ventre barrigudo,
 
Abriam muito a boca e vomitavam tudo!...
 
 
 
Guimarães, nosso orgulho, orgulha-te de nós,
 
Que assim vamos cumprindo a herança dos avós!
 
Que seria de ti, desta velha cidade.
 
Se um dia lhe faltasse a flor da mocidade?!
 
Quem faria que tu, tanta vez, te sorrisses,
 
Se nos mostrasses só carcomidas velhices,
 
O caruncho e o bolor?... Sem os teus estudantes,
 
Serias ainda agora o mesmo que eras dantes,
 
Sem teus belos projectos do arquitecto Marques,
 
Nem parques ideais que nunca foram parques...
 
Avenidas tafuis sem casas, nem esquinas,
 
E grandes construções a cair em ruinas!...
 
A progredir assim, certo, ninguém receia
 
Em afirmar que tu excedes a Pompeia...
 
Pois se até (coisa estranha!) a tua gente fina
 
Para tomar café precisa de ir à “China”!...
 
Em inventos, então, não há como este sol:
 
— Não morrerá ninguém tomando o “SANITOL”!...
 
 
 
A nossa capa negra oculta funda mágoa
 
Lembrando, neste instante, os olhos rasos de água.
 
Os que há pouco desceram ainda à terra fria:
 
O Ribeiro, o Miranda, o bom José Maria
 
E o capitão da Maina — ilustres professores.
 
Sentimo-nos feridos por acerbas dores.
 
Enviando-vos também até à eternidade
 
A sincera expressão duma funda saudade.
 
Vós outros que, com brilho e rara competência,
 
Nos abris o caminho imenso da Ciência,
 
Recebei nosso preito ardente e respeitoso.
 
 
 
Andorinhas do amor, que viveis sem repouso,
 
Repletas de fadiga e preocupações.
 
Deixai-nos partilhar das vossas ilusões!
 
Esquecer-me de vós seria muito injusto!
 
Prometo-vos, para o ano, entrardes no Magusto,
 
Com a condição porém (porque é petisco raro)
 
De não beberdes vinho por estar muito caro...
 
Trabalhai, trabalhai, como a tal costureira,
 
A agulha e o dedal aqui à nossa beira,
 
Sem nos abandonar, que a vida passa breve;
 
E, se preciso for um dia fazer greve,
 
Havemos de ir também convosco para a rua!...
 
 
 
Vós, camélias gentis, da alva cor da lua,
 
Que viveis a reler, cheias de comoção,
 
As páginas fatais do “Amor de Perdição”;
 
Qual de vós, qual de vós será o meu enlevo?!
 
Se me ponho a escolher, decerto, nem me atrevo,
 
Pois a todas eu dou a minha preferência...
 
Se numa me seduz a graça da inocência
 
No seu olhar azul... naquela é o rosto belo
 
Envolto no negror das tranças do cabelo;
 
Naquela outra a elegância, o porte peregrino
 
E o talhe escultural do seu corpo divino.
 
Perde-se o meu olhar fitando extasiado
 
A beleza sem par de tanto ser amado!...
 
Deus fadou a mulher para encantar o homem:
 
As lutas que ele tem, as dores que o consomem,
 
Tudo em pó se desfaz ao pé da sua estrela!
 
Por isso, ao vosso lado, a vida é sempre bela
 
Estrelando o porvir com raios de esperança:
 
— Venturoso o que espera e ainda mais o que alcança,
 
Benditas sejais vós, camélias do luar,
 
Que aos romeiros do amor, os ensinais a amar!
 
 
 
Adeus, bom povo amigo, inventor de quimeras!
 
Para trás a tristeza, haja alegria... e peras!...
 
Nossa jornada é grande e bem alta a missão
 
De recitar este ano o célebre PREGÃO.
 
E tu, querido Santo e amado Nicolau,
 
Faz que embarateça, em breve, o bacalhau!
 
Ah, não deixes morrer a humanidade à fome.
 
Que ela só é feliz enquanto bebe e come!
 
Para que sempre em teu dia, com furor leonino,
 
Os filhos de Minerva assaltem o teu hino!...
 
Jerónimo de Almeida 
 
 
 
 
    Transcrição e comentários de António Amaro das Neves
    
    
    
 
    Publicado originalmente em http://araduca.blogspot.pt/
    
    
    
 
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