Arquivo: Pregão de 1921
 
 
   
     
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      Pregão Académico [Impresso]/Jerónimo de Almeida.-Guimarães: [CFN], 1921(imp. Pap. e Tip. Industrial).-[1]f.;46x27 cm.Impresso s/ papel branco a azul e grenat.-Existem mais dois exemplares, um deles com dedicatória. Com fotografia do autor e do pregoeiro.
 
  Recitado por Artur Francisco do Couto |  
    
 
     
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Em 1921 houve de novo “Festas Nicolinas completas”. O pregão voltou a ser escrito por Jerónimo de Almeida, tendo sido lido por Artur Francisco do Couto, estudante do 7.º ano de letras. Inclui uma homenagem aos poetas que, ao longo dos anos, escreveram o texto do bando:
 
 
 
Desde Sarmento e Bráulio até João de Meira 
 
Houve sempre uma alma airosa e prazenteira, 
 
Cantando Guimarães e a festa Nicolina 
 
E usando, como nós, esta capa e batina. 
 
 
 
FESTAS NICOLINAS 
 
Pregão Académico 
 
Recitado em 5-XII-921 pelo aluno do 7.º ano de letras: 
 
Artur Francisco do Couto 
 
À saudosa memória de todos os Poetas que, desde remota data, compuseram Pregões para as festas Nicolinas. 
 
 
 
Ó Vales que já estais dormindo o eterno sono
 
Na terra sepulcral, em gélido abandono.
 
Eu venho hoje invocar vosso inspirado estro
 
A fim de que me sirva, ao menos, de bom sestro!
 
Dai-me o sénio brilhante e a fina bizarria
 
Da vossa luminosa e estranha fantasia!
 
O espírito faceto, a graça sempre nova
 
Que vos acompanhou até à triste cova.
 
Para que este Pregão, qual dum poeta imberbe.
 
Não tenha sorte igual às rosas de Malherbe.
 
Se alguma coisa há que o auxilia um pouco
 
É nele palpitar um coração tão louco!
 
— Tão louco… por amar a terra em que nasceu.
 
Pois se este mundo é o inferno, à certa aqui é o céu!
 
Desde Sarmento e Bráulio até João de Meira
 
Houve sempre uma alma airosa e prazenteira,
 
Cantando Guimarães e a festa Nicolina
 
E usando, como nós, esta capa e batina.
 
Ensinai-me, por isso, ó Poetas saudosos.
 
Vossas rimas astrais e versos sonorosos,
 
A ver se Nicolau, olhando de soslaio.
 
Julga escutar ainda o nosso bom Sampaio!...
 
 
 
Minha terra! meu berço! eu quero aqui morrer!
 
Tu me dás alegria e fazes-me sofrer!
 
Viste-me mal nasci, criancinha de mama.
 
E agora vês, em mim, quem só te quer e ama!
 
Para que hei-de volver os olhos para o mundo,
 
Se, em ti, tudo me fala ao coração, bem fundo?!
 
Eu pecarei talvez em dizer o que sinto,
 
Mas dizer o contrário, não, porque não minto!
 
Eu não me importa até que digas mal de mim,
 
Contanto que eu te adore, como adoro, assim!
 
O meu maior desejo (e e isto o que te peço)
 
E que sigas na esteira ardente do progresso.
 
Quando vejo cruzar-te enormes camions.
 
Que estremecem o solo com ruidosos sons.
 
Fico-me boquiaberto, extático e feliz.
 
Julgando-me em New York, Londres ou Paris!...
 
Fazes festas de arromba e belas recepções
 
A quem satisfizer as tuas ambições...
 
A polícia — modelo! — envergas fardas novas,
 
Que fazem brouhaha desde Paçô a Covas,
 
E com que ela costuma efectuar prisões
 
Aí… em qualquer tasca, aos grandes cangirões!
 
Tudo isto é verdade, entanto há muita cousa
 
Que a boca proferir, muitas vezes, não ousa:
 
Se me ponho a pensar no precioso tesouro
 
Involuntariamente, até quase que choro
 
Por não poder saber, como era meu intento.
 
Se fica no Cabido ou em Martins Sarmento.
 
Oh que pena me faz essa Colegiada,
 
Sem ter já D. Prior, nem Cónegos, nem nada.
 
Somente, muito triste, sobre o seu altar,
 
A nossa Padroeira, para nós, a olhar!...
 
Não me leves a mal estas verdades cruas:
 
Nunca mandas varrer o lixo pelas ruas.
 
De modo que amiúde, cheios de arrelia.
 
Fugimos para a Penha a tanta porcaria!...
 
Se não valerem nada estes reparos meus.
 
Faze a vontade, ao menos, ao João de Deus.
 
E a célebre, questão, essa questão do hotel
 
Que a nova comissão da Penha traz de fel.
 
Porque, entre mil projectos, só o que a amofina
 
É não poder mandar embora a Ludovina?...
 
Eu não queria ouvir, a quem vem de viagem.
 
Dizer que — Guimarães é uma terra selvagem!
 
A cada passo se ouve uma boca medonha
 
Que até nos faz corar e encher-nos de vergonha…
 
Teu povo sabe bem, de termos não há míngua:
 
Porque fala tão mal? — que dobre mais a língua.
 
Só te aconselho bem e nenhum mal te quero,
 
 
 
Se me recriminares foi por eu ser sincero.
 
Há tempos para cá, mal principia a noite.
 
Mete-se tudo em casa e teme algum açoite,
 
Porque se dá o caso que o Snr. Jordão
 
Manda sempre apagar a iluminação...
 
Uns dizem para aí que não tem energia,
 
Outros que chega até para acender de dia...
 
Só digo, francamente, em meio deste imbróglio.
 
— Livrai-nos, santo Deus, de voltar ao petróleo!
 
 
 
Toda a vida embirrei com isto de política,
 
Mas vejo, cada vez, que a coisa está mais crítica
 
Por isso aqui protesto, e não discuto mais.
 
Contra esses matadores e brutos canibais
 
Que sem consciência alguma e com um gesto à toa
 
Envolveram de luto essa triste Lisboa!...
 
 
 
Distintos professores deste Liceu Central,
 
Não vos zangueis connosco, nem tomeis a mal
 
Que a gente se divirta assim todos os anos,
 
Ao menos uma vez... Vós não sereis tiranos
 
Se vos queixais de nós, façamos hoje as pazes.
 
Porque vós, afinal, também fostes rapazes!
 
Oh não sejais injustos com os vossos zelos.
 
Nem vós, Sanches velhinho, ou mesmo Vasconcelos.
 
Mais o Dr. Filinto ou o Dr. Moreira!
 
Com Pina não há mal, que adora a brincadeira!
 
 
 
Turíbulos do amor! vasos de fina essência!
 
Tende para o estudante um olhar de clemência!
 
Não o deixeis sozinho sem o vosso amor.
 
Senão cada momento é um século de dor!...
 
A luz do vosso olhar, que tão fulgente brilha.
 
Não tem maior encanto em Nápoles ou Sevilha!
 
Em vão se andam a abrir concursos de beleza.
 
As eleitas sereis sempre vós, com certeza.
 
Eu queria saber tecer-vos madrigais.
 
Feitos com o fulgor dos astros virginais,
 
E, ajoelhando ante vós, cm êxtases cristãos,
 
Depô-los, gentilmente, em vossas finas mãos!
 
Não tenho madrigais, mas maçãs rosadinhas
 
Para vos ofertar, ó célicas rainhas,
 
E que são, afinal, a pura encarnação.
 
Do amor que despertais em nosso coração!...
 
 
 
E vós, gémeas irmãs das florzitas do monte
 
Que ides, de cantarinha, buscar água à fonte.
 
E lá ficais a rir, em conversas garotas.
 
Porque a fonte parece mesmo um conta-gotas...
 
Oh decerto não há nenhuma que resista
 
À lei que vos obriga a irdes à revista.
 
Deixando lá ficar vosso fiel retrato
 
Tirado no Machado — porque é mais barato!...
 
Não vos acrediteis nas falas enganosas
 
Dos jovens caixeirinhos! Sede cautelosas.
 
Cada palavra é um laço e cada olhar um meio
 
Para vos seduzir o amor do vosso seio!
 
Tende cautela pois, e juizinho enfim.
 
Ah não vos fieis neles, crede só em mim!...
 
 
 
Rapazes! aprontai as vossas maçanetas
 
Num hino triunfal às nossas capas pretas.
 
Que desça até ao abismo e suba até aos céus.
 
Clamando ao perpassar: “adeus! adeus! adeus!...”
 
Jerónimo de Almeida 
 
 
 
 
    Transcrição e comentários de António Amaro das Neves
    
    
    
 
    Publicado originalmente em http://araduca.blogspot.pt/
    
    
    
 
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