Arquivo: Pregão de 1831

[Manuscrito] / Francisco José Vieira de Faria
In: [Bandos Escolásticos] [Manuscrito].- 1817-1872.-f.8-8v.
Publicado na "Revista de Guimarães".Cópia do livro de apontamentos de António Joaquim de Almeida Gouveia, cartorário de S.Domingos. Existe outra cópia feita pelo Abade de Tagilde, em duas folhas.

Recitado por António Joaquim d' Almeida Gouveia 
   
Não há notícias das festas dos estudantes de Guimarães a S. Nicolau no ano de 1830.
Viviam-se tempos turbulentos em Portugal. Em Dezembro de 1831, ainda na vigência da usurpação miguelista, já D. Pedro, depois de abdicar a favor do seu filho do título de Imperador do Brasil, andava entre a Europa e os Açores, a reunir apoios para organizar o exército com que iria resgatar a coroa de Portugal para a sua filha, D. Maria I, o pregão é, mais uma vez, um texto escrito por um indefectível de D. Miguel (um Deus nos enviou um rei mais justo / já assombrado respeita o mundo inteiro / mimoso dom dos céus, Miguel primeiro). O estudante também estaria, segundo o autor do pregão, do lado do usurpador: arma-se por seu rei, é voluntário.
O bando escolástico de 1834 foi escrito pelo Padre Francisco José Vieira de Faria e recitado por António Joaquim de Almeida Gouveia. Pelo estilo e pelo conteúdo, é parente dos pregões de 1828 e 1829, sendo provável que o Padre Francisco Faria, também conhecido por Padre Francisco da Bornaria, também tenha sido o seu autor.
Este pregão segue um modelo que se vai consolidando. Nos seus 84 versos não faltam as referências a Lísia, ao caixeiro, aos banhos forçados no tanque do chafariz do Toural. Mais uma vez, a distribuição do produto da renda de Urgezes seguiria o critério da graciosidade das beneficiadas: a maçã será prémio da beleza ou simpatia; as nozes serão, por compaixão, para as feias; as castanhas, serão guardadas para as velhas gaiteiras, arrebitadas.


Bando escolástico – 1831

Já retumbam os ecos de alegria,
Tornou Lísia a ver a luz do dia.
Ò sacro Nicolau, intercedendo,
Fizeste dissipar negrume horrendo.
Por vós do sólio seu, imenso, augusto,
Um Deus nos enviou um rei mais justo.
Já assombrado respeita o mundo inteiro
Mimoso dom dos céus, Miguel primeiro.
Que nome! Eis glória nunca ouvida,
Por vós ainda é pouco dar a vida.
Eis de vós e do altar sustem a sorte
Heróis que sabem triunfar da morte;
E fique a eternizar vossa memória
Da fama a chama, e o clarão da história.
Ímpios, que ser haveis orgulhosos,
Já na ruína das nações ser venturosos,
Pasmai de ver a lusa juventude
Sólida ciência unir com a virtude.
Quem pode hoje ombrear com o estudante
Do oráculo da luz tão radiante?
E sem faltar ao ministério literário
Arma-se por seu rei, é voluntário.
Grosseira, ignorante, vil canalha,
Pensáveis conosco ter igualha?
Se contigo antipatizo, audaz caixeiro,
Não cuides esquecer-me no tinteiro.
Quero por compaixão desenganar-te:
Sem do sábio Pereira dar a Arte,
Ao som da estrondosa palmatória,
Deste dia não há jus à glória.
Se algum Milord de descarado papo,
Deixando da semana o velho trapo,
Desses que estrelas vêem ao meio-dia,
Só para no dia santo ter folia,
Em paga de meter de taralhão
Na malha cair, na nossa mão,
No tanque do Toural tem fresco banho
Para lhe refrescar calor tamanho.
Respeitar-nos pois sempre é mais seguro.
Na renda seja tudo do mais puro.
Não pense o tal calouro que nos manga;
Vê-lo-eis abaixar a nariganga,
O bandulho tremer, bater o queixo.
Se pró fim, lindas madamas, eu vos deixo
Vós sois desta função remate e coroa;
Função, que das funções abate a proa;
Mas posso dispensar despesa vossa
Se o afecto for todo em honra nossa.
Pouparei-vos janelas damascadas
Pois convosco serão mais bem ornadas.
Por pintadas e brilhantes luminárias
Volvam dos olhos as meninas várias.
Por foguetes de lágrimas ou respostas
Travaremos conversas bem dispostas.
Por fingidas águas de repuxo
Aparecei todas de apurado luxo.
Se entre espinhos mais brilha a linda rosa
Entre as feias brilhará a mais formosa.
E como os gostos sejam relativos
Vós, feias, também tendes atractivos.
Pôde o rosto ser lavrado, e a cor baga,
E a boca suavizar ternura e graça.
A maçã, mimosa prenda deste dia,
Será prémio da beleza ou simpatia.
Por compaixão as feias terão nozes
Se às nossas responderem suas vozes.
Às velhas gaiteiras, arrebitadas,
Atirem-se-lhes castanhas às manadas.
O chiste com que a mãe mais se regala
É ver que para a filha é dia de gala.
E não há migalhinha mais do goto
Dum pai, que outrora foi garoto.
Casquilhos, sentido... olá... cautela!
Amanhã nem deitar olhos paar a janela.
Regosijos, festejos e agrados,
São o fim dos estudantes mascarados.
E quem da proposta paz quebrar os laços
Num instante é feito em pedaços.
Mãos, que só mereceis colher flores,
Rufai com alegria nos tambores,
Para que dê eco em todo o mundo
Este o mais fausto dia, o mais jucundo,
Elevando da glória ao alto cume
O modelo dos reis, o pai, o nume.
FIM

Transcrição e comentários de António Amaro das Neves
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