Arquivo: Pregão de 1846

Bando escolástico: 1846 [Manuscrito]/José Nepomuceno da Silva Ribeiro. In: [Bandos Escolásticos] [Manuscrito].-1817-1872.- f.17-17v. Publicado na "Revista de Guimarães". Cópia do livro de apontamentos de António Joaquim de Almeida Gouveia, cartorário de S. Domingos. Existe outra cópia, feita pelo Abade de Tagilde, em duas folhas.

Recitado por Joaquim Fernandes da Silva Ribeiro, irmão do autor

   
Em 1846 estava o Minho em revolta. Eram os dias da Maria da Fonte. Muitos dos acontecimentos mais marcantes destes tempos tumultuosos passaram por Guimarães. Porém, as festas a S. Nicolau deste ano decorreram com normalidade. O pregão deste ano saiu à rua acompanhado por mascarados ricamente vestidos, nomeadamente os que personificavam Minerva, Vénus e a Fama. Foi escrito por José Nepomuceno da Silva Ribeiro e lido pelo seu irmão Joaquim Fernandes da Silva Ribeiro.
Não fora uma referência nos dois primeiros versos (Alerta Guimarães, alerta, alerta! / Da tristeza, que te oprime hoje desperta;) dir-se-ia que aqueles eram tempos de absoluta normalidade em terras de Guimarães.

Bando escolástico – 1846

Alerta Guimarães, alerta, alerta!
Da tristeza, que te oprime hoje desperta;
Guimarães, tu que aos reis deste o berço,
Pátria aos heróis e leis ao universo,
Surge, surge, veste hoje as galas tuas,
De rosas e boninas junca as ruas,
Que para ti alfim a volveu a custo
O sexto de Dezembro, o dia augusto,
Dia em que brilha a pompa, o fausto brilha,
E do estudante à voz tudo se humilha.
Exulta Guimarães, exulta, exulta,
Que a glória para ti jamais se oculta.
E tu, ò crespo Apolo, ò numen louro,
Sobre a láctea corrente em nuvens d’ ouro
Corre, voa em volver-te apressurado,
Para que o grão dia, há tanto suspirado,
A Guimarães volver, volver depressa.
Ninfas gentis que do Ave a margem espessa
Aos sátiros fugindo povoais,
Deixai secas areias, que pisais,
Vinde todas e cantar, vinde à porfia,
Lindas canções ao despontar do dia,
E de capelas mil ornada a fronte,
Mil choreias formai no dia ingente.
Dia que outro não conta a sábia história,
Dia pomposo de eternal memória,
Que do tempo o volver jamais enerva,
E vós, ò filhos de ínclita Minerva,
Impávidos heróis, que o mundo aclama,
Sustentai com heroísmo a glória, a fama,
E com a espada em punho, olá, fazei
Com valor respeitar a vossa lei,
Que em prol das regalias, alma e vida
Na arena a perder, tudo vos convida.
Foge, foge, ò corja proterva,
Não ouses, não, aos filhos de Minerva,
De mil fadiga, de mil lucubrações,
Roubar os mais devidos galardões;
Foge infame, aliás do lodo imundo
Ao tanque baixarás já moribundo;
E, se a vida Minerva carinhosa
Nesta te poupar crise perigosa,
Nem de eterno baldão, de opróbrio eterno,
É o ferrete marcar-te o tetro Averno.
Amanhã só pertence ao estudante
Das damas ofertar à mais galante,
A essa a quem se esmerou a natureza,
Loura castanha, a bela camoesa,
Tocar-lhe a mão nevada e à voz de amor
De alma e vida ficar-lhe devedor.
Oh! ventura sem par, que o mundo espanta!
Levanta, ò jovem, tua voz, levanta,
Que as ninfas belas vem entre alegrias
De puros gozos matizar-te os dias!
E tereis vós acaso um coração,
Que insensível à voz da gratidão
Mil extremos olvide, e não atenda
Da cara juventude à pura oferenda?
Ah! vós que a própria Vénus na brandura,
No amor venceis, venceis na formosura,
Sobre nós volvei olhar de afeição;
Traidoras não sejais, ingratas não.
Um suspiro, um abraço, quem tal pensa!
É de uma maçã justa recompensa.
Eia avante, ò heróis, olá, marchemos,
A festa nossa, à fama anunciemos.
Eia avante! E ao clangor da tuba ingente
Retumbem cá no mundo eternamente
De Nicolau os imortais louvores.
Rufai, jovens, rufai nesses tambores,
E ao som de acordes hinos triunfais
Subam ao céu mil vivas festivais,
Seja d eles Éolo pregoeiro,
Ouça-os a terra, o mar, o mundo inteiro.
FIM

Transcrição e comentários de António Amaro das Neves
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