Novenas/Matinas


A Festividade de Nossa Senhora da Conceição (padroeira de Portugal a partir do reinado de D. João IV) era já celebrada em Guimarães desde 1329 com grande enraizamento popular, em consequência desse facto, no séc. XIV foi levantada a capelinha de Azurém ou de Nossa Senhora da Conceição de Fora, pois era "extramuros" da vila.

No Séc. XVIII existem notícias de uma Irmandade sediada na dita capelinha de que faziam parte Cónegos e Estudantes, herdeira de uma antiga confraria do século anterior.

Vem daí o empenhamento dos Estudantes na celebração dos nove dias que antecedem o 8 de Dezembro, dia da Imaculada Conceição. Assistiam às novenas acompanhados dos coreiros da Colegiada e faziam-se acompanhar de bombos e caixas.

Desde o dia 29 de Novembro e durante mais oito dias, ao romper da aurora e ao "Toque da Novena" eles passavam por casa uns dos outros chamando-os a participar e a integrar a coluna que se dirigia à celebração daquele ato religioso. Chegados às imediações da Capelinha e para enganar o frio, iam-se entretendo, numa taberna vizinha, com uma malga de caldo d'unto.

O uso de abrilhantar as novenas com bombos e caixas era um costume antigo do povo da região a propósito de várias outras celebrações deste cariz.

"Pregões de São Nicolau - desde 1817
"

 

Novenas de Azurei ou de Azurém, freguesia a que pertencem, foram implantadas enquanto hábito cultural no séc. XVIII pela obrigação de “realizar missas cantadas todos os anos, a 7 e 8 de Dezembro pelos moços coreiros da colegiada” dedicadas à Padroeira N. S. da Conceição cuja Ermida estava implantada fora das muralhas da cidade, no ato da Silveira junto à estrada que já os romanos conheciam em direcção a “Bracara Augusta”. 

Seria uma forma de libertar em folguedos matinais (fora dos olhos do povo) os grilhões da ensinança a que os moços coreiros estariam sujeitos em juvenis manifestações matinais. 

São matinas obrigatórias aos novos estudantes como praxes de aprendizagem e iniciação secular já referida. A madrugada é o inicio da Luz.

Os coreiros de sinetas barulhentas e os civis, outros jovens, zabumbando as caixas e os bombos ritmados a preceito nove vezes que os nove dias dos festejos assim obrigavam. Daí as novenas repetidas dia a dia.



Novenas da «Conceição» na capela do subúrbio - o Caldo d'unto na tasquinha
em S.Nicolau dos Estudantes de A.L.Carvalho

O erudito abade de Tagilde em seu livro Guimarães e Santa Maria, dá-nos cópia de uma escritura relativa a 1513, pela qual os padres coreiros ao serviço da Colegiada - denominados Padres Capinhas- tomaram o encargo de celebrar um acto religioso na capela de Nossa Senhora da Conceição, erecta na freguesia de Azurei, subúrbio da cidade. O códice n.° 584, pág. 254, do Arquivo Municipal, dá-nos os Títulos sobre a Ermida da Conceição de Fora Por eles se vê que esta ermida andava ligada à jurisdição da Colegiada. Este facto, por si, levaria a assistir, como coadjuvantes de umas novenas que ali se celebravam, os «Meninos do Coro» da referida Colegiada. Identificados estes com os escolares, davam os mesmos escolares a sua presença ao acto das Novenas. É mesmo possível que coadjuvassem no coral os moços escolares, alternando com o sacerdote. O que chegou até nós, pela constância ininterrupta duma prática de fundo tradicional, foi o costume de os Estudantes irem à Nossa Senhora da Conceição de Fora assistir às Novenas, chama-se N. S. da Conceição de Fora, por estar esta capela fora de portas no subúrbio, foi elevada à categoria de monumento de interesse público.

Manhãzinha cedo, ao dialbar da aurora, um bando de Estudantes, enroupados com camisolas e carapuças à lavresca, saem à rua, tonitroando tambores e caixas. Aqui e ali, junto às casas onde moram colegas acadé¬micos, a música da Zé-Preirada irrompe, forte, até que se lhe juntem os dorminhocos, menos lestos em sairem debaixo da manta. E lá segue a ronda escolástica, a caminho das Novenas. Nove dias se sucedem, como contas em rosário, para esta «devoção» matinal. Já o sininho palreiro pendente do arco da torre convoca a gente do lugar a assistir à novena. Entrementes, a ronda académica, para contrapor resistência ao frio aspérrimo das manhãs de Dezembro, entra na tasquinha próxima à capela resolutamente emborcando uma tigela de caldo d'unto, fumegante, migado com pão de milho. Como complemento substancial, entra em actividade o cangirão do vinho verde. Assim o vi e experimentei, há meio século atrás, de súcia com os Estudantes.

O olhar rútilo do Sol, espreitando por detrás da cortina de névoa matutina, irisa de luz suave a neve sobre os campos.
E a ronda dos Estudantes, sempre rija no manejo das baquetas, volta à cidade. Por vezes estes alargam o seu itinerário, indo até ao Mercado. Confiantes nos imprescritíveis direitos da sua juventude, tomam furtivamente hortaliças, com elas enfeitando os seus instrumentos de percussão. Ao surgirem ali os Estudantes, as regateiras pondo-se de atalaia, vão lançando este brado:
«-Aí vêm os diabos!...».Na verdade, são tantas as diabruras que eles fazem - benza-os Deus! - que até parecem haver frequentado um lendário curso instalado nos subterrâneos da Universidade de Salamanca, cuja cátedra tinha por mestre o próprio Satanaz.

«Ao P.e Suarez, mestre vindo de Salamanca para Coimbra, no século XVI, puseram a elogiosa alcunha de Doutor Exímio. Dizia-se que a ciência do grande teólogo não era humana, mas devida ao espírito diabólico, com quem tinha pacto».

(Teófilo Braga, Hist. da Un. de Coimbra.)

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Uma Irmandade erecta na capela da Conceição, segundo registos de 1738, tinha por confrades alguns cónegos e estudantes.

Reproduzo este registo:

«…o R.do Cónego António Guedes Alcoforado, do Campo da Feira, o Cónego António de Sousa Mesquita, Rua de S.ta Maria, o R.do Cónego António Gomes Ribeiro, Praça de S. Tiago, António Cardoso de Menezes, na Quinta do Gaiteiro, António José Monteiro, estudante, depois frade Franciscano. Custódio Vieira Sampaio, estudante, da Caldeiroa, não deu esmola, porquanto é deligente em tocar o regalejo.»

Há na pequena capela-mor um órgão, de limitadas proporções. Não é certamente a este instrumento de teclado, gaitas e foles, que se faz referência.«Regalejo», (ou realejo), é instrumento tocado com manivela. Seja como for, caso é que os escolares antigos legaram às gerações de académicos que lhes sucederam a prática devota de irem, manhãzinha cedo, assistir às novenas da Conceição.

Esta capelinha, tão linda e aconchegada, forrada de azulejos historiados, de tecto apainelado, com sua galilé de quatro águas, fica a dois quilómetros da cidade.

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O caldo adubado com unto de porco, que ali é servido aos Estudantes, tem como composição culinária a cebola e o ovo cosido. Pelas calorias que empresta, o caldo d'unto está indicado como suadouro - terapêutica usada na gente do campo para curtir constipações. Os nossos Estudantes, tomando o caldo d’unto nas manhãs frígidas de Dezembro, à hora da novena da Conceição, visam este objectivo mais previdente:melhor que curar constipações, é evitá-las. O caldo d'unto, tem essa eficácia, segundo a sapiência caseira dos nossos Estudantes.

Nos fins do século XVI tiveram os escolares de Guimarães outra corporação irmandadeira, com altar numa capela do culto a Nossa Senhora da Consolação, hoje igreja dos Santos Passos. A esta corporação alude a Obra, Santuário Mariano, dizendo:

«Tem a Senhora da Consolação uma nobre irmandade, a que deram principio os Estudantes da mesma Vila de Guimarães, no ano de 1594»
(L.° 1.°, T. LIV, pág. 195.)

CAPELA DA CONCEIÇÃO
 

  "NOVENA DA CONCEIÇÃO"
DEZEMBRO FRIO.
A geada cobre os caminhos que vão,
Sob os palores da Alvorada.
Ao lugar da Conceição!
Denso brilho de ametista,
Reflectindo a lua cheia,
Sob o Alpendre Seiscentista
Pela noite bruxuleia!...
Como esperança redentora,
A Devoção pressurosa
Vai visitar a Senhora Da Conceição
- «Gloriosa!»As sinetas tagarelas,
Em transportes de alegria,
Trilam, em notas singelas:
«Tota pulchra, es Maria»
E o eco responde além...
Querubim, anjo ou donzel:
«Tu Glória Jerusalém!»
«Tu faeticia Israel»
Reparai na Capelinha
'Spargindo luz em lampejos,
A refletir a Rainha
No brilho dos azulejos
Já chegou o Organista,
Sisudo... fitando o chão!...
-João Lopes, grande artista
Na solfa do cantochão!
Lá estão o Felix, Ferreira
E o Couto Procurador;
João de Deus enfileira
Também canta por amor!...
Alma de Fé sempre acesa,
Piedosamente aqui noto:
Salgado da Portuguesa,
Na promessa do seu voto!
No coro resplandecente
Da mais pura Liturgia,
Faziam corpo presente
Monteiro, Assis, Burnaria!...
Em marcha firme e serena,
Já lá vem a Estudantada;
Vai começar a Novena
E, a seguir, Missa Cantada!
Uma prana. Duas pranas.
Troai bombos!...
Rufai caixas!...
Orquestra de traquitanas
Tem notas altas e baixas!
Sopra um vento que estarrece!...
Fez-se a função a capricho!...
Já o crepúsculo alvorece...
-Vão todos matar o bicho!...
No colondro,em franco ambiente
caldo de unto... e, no Chino,
Figos de ceira, aguardente,
Geropiga e vinho fino...
E a Estudantada brejeira,
-Satisfeita a devoção,
Desce a calçada ligeira...
Tem que estudar a lição!...
Mas... não oiço como outrora,
Pela madrugada fria,
Do orgão a voz sonora...
Nem pompa... nem Liturgia!...


Senhora da Conceição,
Também chamada de Fora,
Vem salvar a Tradição!...
Vem salvá-la... sem demora!..
 
No fim todos os jovens tamborilando e zabumbando habilmente iam atravessando campos e visitando vendedeiras, tabernas e mercearias, que, voluntariamente, davam dos seus produtos ou então tomavam "posse" os estudantes e que no final da matina entregavam no Albergue ou na casa dos pobres.
Pelas 9 horas da manhã já a vida na cidade estava normalizada e os estudantes "normalizados" nas suas escolas empreendiam o esforçado e sublime objectivo de alimentar o espírito, educando-se.

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